Autoridades discutem abertura do turismo em terras indígenas

Empresas em Boa Vista vendem pacotes turísticos e faturam em cima de comunidades indígenas que não ganham nada
Lideranças indígenas, conselheiros e secretários municipais, vereadores e representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Departamento Estadual de Turismo (DETUR) discutiram, na manhã desta quinta-feira, dia 8, a abertura do turismo no município mais indígena do Brasil, Uiramutã, localizado no extremo Norte de Roraima. A reunião ocorreu na Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto (Semecd), na sede do município.
Participaram da reunião, os secretários municipais Silas Cavalcante Abelardo (Meio Ambiente e Turismo), José Novais Pereira da Silva (Articulação Política), Eloíza Cavalcante de Lima (Administração) e Erlize José de Souza (chefe de Gabinete da Prefeitura). Também estavam presentes Gilmar de Souza Pinto (da Funai), os vereadores Cizimar da Água Fria (Cidadania) e Greyce Brasil (PP), Abraão Nonato Araújo (presidente do Conselho Municipal de Turismo), José Sabino (tuxaua-geral da região das Serras) e representantes do DETUR.

A pauta da reunião foi extensa, mas abordou principalmente a legalidade da visitação dos turistas não-indígenas a terras indígenas, como prevê a Funai por meio da Instrução Normativa nº 3/2015, que estabelece normas e diretrizes para atividades turísticas dentro dessas comunidades.
Responsável pelo acompanhamento do turismo nas terras indígenas de Roraima, Gilmar de Souza explicou que o ingresso nessas áreas é condicionado à autorização da comunidade indígena ou da Funai, com o objetivo de garantir o respeito à autonomia e à cultura dos povos originários. Segundo ele, o primeiro passo para o processo de abertura do turismo em terras indígenas é saber quais comunidades têm o interesse de receber visitantes.
“Antes de tudo é preciso fazer assembleia e consultar as lideranças indígenas sobre a abertura da comunidade para o turismo. Depois, caso a comunidade aceite, deve-se elaborar um guia de visitação para que o turista saiba o que pode e o que não pode fazer quando estiver visitando terras indígenas. É preciso também que essas comunidades participem de oficinas sobre o tema e que formem seus próprios guias turísticos. E a Funai está aqui para orientar e dar o suporte técnico, pois é necessário que tudo ocorra dentro da legalidade”, ressaltou.
Gilmar informou que já existem empresas em Boa Vista que vendem pacotes turísticos para visitação de terras indígenas no Uiramutã, mas muitas delas não têm autorização da própria comunidade ou da Funai. “Isso não pode acontecer, pois o turismo deve favorecer principalmente a comunidade indígena, mas neste caso apenas a empresa fatura”, observou.

O secretário municipal de Meio Ambiente e Turismo, Silas Cavalcante, reconheceu que a região das Serras tem muito potencial para o turismo, mas é preciso, segundo ele, que as comunidades indígenas aprovem o plano de visitação para que tudo ocorra dentro da legalidade.
O presidente do Conselho Municipal do Turismo, Abraão Araújo, também reconheceu o potencial do Uiramutã, o que não está sendo aproveitado, de acordo com ele. “Não se pode chegar com um plano fechado, por isso o primeiro passo é ouvir as comunidades”.
Gilmar sugeriu então que a prefeitura do Uiramutã tome a iniciativa de chamar os tuxauas para decidir quais comunidades aceitam o turismo. Sobre os riscos de influência cultural, ele sustentou que o visitante não vai mudar a cabeça dos indígenas, mas levar a ideia de “vocês” para o mundo.
Prefeito respeita decisão tomada em assembleias
A chefe de gabinete da Prefeitura, Erlize de Souza, explicou que a pauta já foi colocada para ser discutida em assembleias promovidas por organizações indígenas, mas na maioria das vezes as lideranças e tuxauas a rejeitaram, justamente por falta de legalidade e outras implicações jurídicas.
“É bom frisar que o prefeito Benísio respeita a decisão que sai dessas assembleias. Ele também segue o protocolo de consulta da Raposa Serra do Sol. Então, o turismo não depende apenas da prefeitura. Na região das Serras, por exemplo, os indígenas aprovaram uma ata e já iniciaram uma discussão sobre a possibilidade de visitação e do etnoturismo. Acredito que agora, com a mediação de outros órgãos públicos, as coisas andem”, ressaltou Erlize.
Gilmar voltou a explicar que dentro do plano, a comunidade pode trabalhar com o ecoturismo, voltado à natureza e paisagens, e com o etnoturismo, que aborda a cultura e tradições dos povos indígenas. “Na verdade, dentro do plano podemos agregar vários pacotes e produtos, como a produção artesanal da panela de barro, por exemplo”, citou.
“Se não for aprovado é invasão” – O tuxaua-geral da região das Serras, José Sabino, falou da instrução normativa da Funai e adiantou que o Conselho Indígena de Roraima (CIR) já trabalha na elaboração de um plano que posteriormente será enviado à Funai.
“Vamos consultar nossos tuxauas, mas adianto a vocês que seguimos as normas que são decididas em assembleia, pois essas discussões são todas coletivas. É bom lembrar o seguinte: se o turismo não for aprovado e legalizado pelas comunidades torna-se invasão. A visitação deve beneficiar nossas comunidades”, frisou José Sabino, que vai trabalhar como mediador junto às comunidades indígenas.
Texto:Amilcar
Fotos:portaltonaarea